domingo, 15 de maio de 2011

Que tipo de cidade se deseja? Partida ou integrada? Com ou sem engarrafamentos monstruosos? Que tipo de transporte queremos?



Quem associa metrô à invasão dos bárbaros não tem direito de exigir bons serviços públicos.
Não quero metrô perto de casa porque... bem, porque não preciso. Tenho carro e motorista. A minha família tem vários carros. Com o metrô ao lado, o bairro se degrada, se adensa. Somos mais abordados por pessoas flutuantes. Vem uma gente diferenciada de outros lugares. Vem drogado, mendigo, camelô. E com isso mais roubo, mais violência. Quem pensa e fala assim é uma minoria não esclarecida e barulhenta da zelite do Sudeste. Haja preconceito, egoísmo e ignorância.
O vocabulário e os argumentos são tão toscos e tortuosos que o movimento contra o metrô em áreas chiques de São Paulo e do Rio de Janeiro virou motivo de chacota na internet. Um churrascão com farofa, cachaça e som portátil foi convocado para este fim de semana em frente ao Shopping Higienópolis, bairro paulistano elegante de 55 mil moradores. É um protesto popular contra a cegueira de alguns.
O estopim foi o plano de mudar a estação prevista na esquina da Rua Sergipe com a Avenida Angélica, a principal do bairro. Em agosto do ano passado, a psicóloga Guiomar Ferreira, de 55 anos, há 25 em Higienópolis, comprava vinho quando resolveu abrir a boca: “Eu não uso metrô e não usaria. Isso vai acabar com a tradição do bairro. Você já viu o tipo de gente que fica ao redor das estações do metrô? Drogados, mendigos, uma gente diferenciada...”
O que poderia ser uma opinião isolada virou um abaixo-assinado de 3.500 moradores. Eles não precisam de metrô. Mas reclamam do trânsito caótico e precisam muito de pobres. Cozinheira, passadeira, faxineira, motorista e jardineiro chegam às casas dos patrões em transporte público. E penam em ônibus lotados, precários e caros.
Dona Guiomar não representa todos os ricos do bairro. Mas ela e seus colegas da Associação Defenda Higienópolis fizeram tanta pressão que, inicialmente, conseguiram mudar o metrô para o Pacaembu, onde ele atenderia menos passageiros. Não se sustenta a alegação oficial de “critérios técnicos” para a mudança. É tão óbvio que o poder público cedeu ao lobby de moradores influentes que já se estuda um terceiro lugar para a estação da discórdia. O mais grave de tudo é o governo colocar o interesse de uma minoria acima do bem coletivo.
Que tipo de cidade se deseja? Partida ou integrada? Com ou sem engarrafamentos monstruosos? Que tipo de transporte queremos? O elitista, obsoleto e poluidor “um carro para uma pessoa” ou um transporte digno de massas? “Massa” inclui o operário, a empregada, o professor, o estudante, a madame, o profissional liberal, o empresário. É assim no Primeiro Mundo. Turistas brasileiros elogiam as redes de metrô na Europa e nos Estados Unidos. Preferem hospedar-se perto de uma estação, por conforto. O que os torna tão cegos quando voltam ao patropi?
Não é só em São Paulo que alguns tentam se fechar em seu gueto, como se adiantasse. Acontece também no Rio, onde ricos convivem com favelas. Moradores do Quadrilátero do Charme em Ipanema, que reúne as maiores grifes da cidade, são contra a futura estação de metrô na Praça N. Sa. da Paz. Um abaixo-assinado diz que a primeira estação do bairro, na Praça General Osório, “trouxe um adensamento insuportável, e o morador perdeu o direito a sua praia no fim de semana”.
“Não podemos deixar que o nosso bairro vire um despejadouro de gente que vai usá-lo e deixar o bagaço”, continua o abaixo-assinado. “Não somos contra o metrô, mas Ipanema é um bairro pequeno, onde as pessoas fazem tudo a pé.” As pessoas quem, cara pálida? Essa última declaração não é só provinciana, é uma tolice mesmo. Então ninguém sai de Ipanema? Se alguém quer ir ao centro da cidade, faz o quê? Pega o carro importado com vidros pretos na garagem e enfrenta o trânsito, xinga o seu próximo, estaciona em fila dupla e deixa a chave com o flanelinha ilegal.
É natural que a população queira ordem, segurança e limpeza. Mas muitas vezes é a classe alta que promove as badernas. Quem associa metrô à invasão dos bárbaros não tem a menor noção do que significa viver em comunidade nem tem o direito de exigir serviços públicos de qualidade. É uma gente diferenciada.

 protesto em São Paulo por mais metrô


"Só nado de metrô em NY, Londres e Paris"


Protestantes fazem churrascão da "gente diferenciada"




"protestante com faixas"


Churrasco da "gente diferenciada"

2 comentários:

  1. O metrô, hoje, não atende a necessidade de quem mora nesta cidade. O transporte público é risível. Ônibus lotados a tarifas absurdas, veículos em situação precária, falta de corredores, atrasos em obras, acidentes, são apenas algumas das situações que tornam São Paulo ainda mais caótica do que ela deveria ser, graças ao seu número de habitantes.

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  2. Graças ao seu número de habitantes e da ignorância desses habitantes. A arrôgancia dessa gente é algo impressionante. Ao passo que meia dúzia de gente rejeita o metro outras tantas dúzias andam em transportes vergonhosos. Sobre a tarifa cobrada em São Paulo, vejo isso como um assalto sem-vergonha! Em nenhum país do mundo, desenvolvidos ou em desenvolvimento, é cobrada uma tarifa assim. Eu tenho medo de apanhar um coletivo depois das 19h, a Sé depois das 16 parece uma passagem para o inferno! Eles têm criado um monte de estações, porém não resolvem o problema do fluxo de gente na Sé.

    Mas não podemos somente criticar e apontar os políticos como únicos responsáveis pelos problemas da nossa cidade. A população tem de ter consciência daquilo que faz, aceita e vê aconter. Não podemos ser tão passiveis e complacentes com os descasos. Nçao podemos apenas protestar quando o time da Marginal, Corinthians, perde um jogo, isso é completamente irrelevante, temos é que nos preocupar com coisas mais sérias, no caso o transporte...

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